domingo, agosto 26, 2007

Jornal do Reino
Príncipe Busca Moça do Sapatinho

Após arrecadar olhares admirados (e enciumados) dos convidados do Baile Real, que aconteceu na noite de ontem, e dançar durante boa parte da noite com o Príncipe, uma bela moça sai correndo ao ouvir o relógio bater 12 badaladas. O Príncipe tentou alcançá-la, mas só conseguiu pegar o sapatinho que a jovem deixou cair na escadaria do palácio.

O Baile Real foi organizado pelos funcionários de Suas Majestades, tendo como convidados os membros da nobreza e todas as moças casadoiras do reino, bem como seus acompanhantes (pais ou mães). Sua Majestade, o Rei, deseja que o Príncipe se case o mais rápido possível com um bom partido para poder assumir o trono, já que Sua Majestade encontra-se doente.

No início do Baile, o Príncipe foi apresentado às moças ali presentes e dançou com uma ou outra, até a chegada de uma bela e misteriosa jovem, ligeiramente atrasada. Sua entrada fez com que todos parassem para ver quem ousava chegar tão tarde a uma festa real. Os convivas ficaram admirados com a delicadeza dos detalhes de sua roupa e com a própria jovem, nunca tinham visto uma moça tão bela nas redondezas. O mensageiro real relatou achar a moça parecida com a empregada de uma família rica, composta por uma viúva e suas duas filhas, mas aquela jovem estava vestida de forma muito requintada para ser uma simples empregada.

O Príncipe não esperou que o apresentassem à moça, aproximou-se dela enquanto ainda descia a escadaria do salão de festas e os dois dançaram até o momento em que ela saiu correndo. Até tal momento tudo parecia estar correndo bem para o casal.

o Jornal do Reino procurou o Príncipe para saber o que ele fez ou disse para que a donzela corresse daquela forma, mas ele não quis dar declarações. Soubemos por seu cocheiro que ele iria iniciar uma busca ainda hoje pela dona do sapato, que é feito de cristal e de numeração muito pequena (o cocheiro não soube informar o número). Espera-se encontrar a dona do sapato dentro de uma semana.

quinta-feira, agosto 16, 2007

O Cinema e suas "relações"

Ele já veio na cola de outra Arte, como quem não quer nada. A Fotografia estava tendo os seus problemas, suas complicações, quase como que um vírus desses "brabos" que pegam as crianças e botam de cama e os pais ficam desesperados, achando que o pirralho vai morrer! Ainda mais naquela época, que a gama de medicamentos era pouca... Ou talvez eu esteja fazendo drama pra você ler o meu texto!

Enquanto a Fotografia dava seus passos, com uma certa dificuldade, tirando empregos de retratistas, sendo chamada de "coisa do demônio", o Cinema chegou sorrateiro, na França, quase que como brincadeira dos irmãos Lumière. Eles filmaram a saída dos operários do trabalho, a chegada do trem na estação, o almoço do bebê... Tudo com pouquíssimos minutos de duração e feito de forma bem simples. Eles chegaram a exibir esses "filmes" e as pessoas que estavam assistindo "A Chegada do Trem" saíram correndo da sala de exibição, com medo de que o trem saísse da tela e as atropelasse.

"Hm! Eu acho que aqui tem um filão bom pra ganhar dinheiro!" Alguém deve ter pensado isso, mas o fato é que o kit de filmagem era bem barato e, ainda que não pareça, o Cinema nasceu documental, não ficional como estamos acostumados hoje.

Mas o fato é que com pouco tempo de nascido, uma criança serelepe basicamente, o Cinema chegou para o Teatro e pediu pra ficar ali, assistindo. Depois convenceu o irmão mais velho a se deixar filmar. Dessa forma vieram alguns dos primeiros filmes ficcionais, mas demorou para os cineastas se darem conta de que poderiam ir além da câmera estática e filme sem cortes.

Quando o dia chegou, o Cinema passou a procurar seus irmãos e irmãs e fazer propostas. Chegou uma hora em que ele viu que se exibir calado não era tão divertido, foi ter uma conversinha com a Música e os dois se uniram. União essa que deu certo, mesmo quando o Cinema passou a falar em público, cheio dos diálogos, monólogos, pensamentos exteriorizados e sempre embalado por uma trilha sonora.

Vendo que dava certo isso de se unir com os outros, consultou uma das mais velhas: a Literatura. Vez por outra, eles produzem algo juntos. Tem vezes que o Cinema rouba algo dela e faz o trabalho escondido, em cima das coxas (e acaba saindo uma porcaria e as pessoas saem do cinema dizendo "ah, o livro é melhor!"). Acontece também de Literatura empurrar algo para Cinema e cotar um grande nome pra estrelar o filme. Por mais que ele pense "Ih... Sei não!", acaba fazendo o gosto da irmã. Dessa forma saiu "O Diabo Veste Prada", por exemplo. O livro é bom, mas não vendeu muito. No entanto, Meryl Streep deu aquele empurrão que faltava à trama e se tornou uma das vilãs mais amadas das telonas nos últimos anos.

A Dança também se uniu ao Cinema e à Música e os três produziram musicais, filmes de dança e fizeram (ainda fazem) muita gente sair da sala de exibição (seja numa rede de cinemas, seja no sofá da casa do namorado) direto para uma academia de dança: "Moço! Eu quero fazer dança de salão / dança latina / tango / street dance / flamenco / dança do ventre / whatever! Me matricula aí!" O bom pra essas pessoas é que dança faz bem e é altamente viciante. Pelo menos elas não podem ser chamadas de sedentárias.

Enquanto boa parte das Artes estavam em crise e apelaram para o surrealismo, o Cinema estava com toda! Era muito novo para ter crises, era praticamente um adolescente espinhudo criativo e apaixonado, produzindo algo novo para alguma musa inspiradora com uma bela energia.

Atualmente eu acho que o Cinema tá precisando de uma nova paixão. Não tem criado muitas coisas novas. No entanto, se juntou com uns irmãos mais novos, uns tais de Quadrinhos e Arte Gráfica (irmã gêmea bivitelina do Games) e anda fazendo umas coisas interessantes. Por mais que não esteja com a criatividade em alta, aproveita as idéias e a ajuda dos irmãos e cria umas técnicas interessantes, umas formas diferentes de recontar uma história que foi apresentada em algum outro tipo de mídia, por alguma outra Arte.

Veja só: até filho Cinema já teve! Veja a Animação e a Animação Gráfica por exemplo... (Sim, eu estou falando dos desenhos animados!) Eu acho que houve incesto aí no meio, mas quem sou eu pra dar pitaco numa família doida dessas?

Eles produzem, eu aproveito e ainda me meto a besta de fazer uns comentários de vez em quando.

  1. Fernanda acha que tem pouca coisa pra fazer e inventou um blog novo... Um tal de 16 Milímetros em Papel Couché. E ela ainda se comprometeu a atualizá-lo uma vez por semana! Não é uma ousadia? Mas diz ela que se conseguir, vai trazer umas coisas novas pra cá também. Então eu sugiro que você freqüente os 2 blogs, que a coisa vai começar a ficar interessante.
  2. E parabéns a Daniel, que venceu o concurso do Membrana Seletiva! ^^ (Agora cobra o prêmio da Allana, tá?)

domingo, agosto 12, 2007

And the oscar goes to...

... Daniel Bartolomei!

*placa de aplausos sobe, a platéia aplaude fervorosamente*

Na verdade, esse prêmio deveria ser meu. Mas como a idéia é fazer o concurso, e premiar outras pessoas, tornar esse espaço mais democrático e tudo o mais, bem, não poderia ser um texto meu a ser premiado.

Brincadeiras à parte, Daniel Bartolomei, juntamente com Sandro Albertini, criaram o personagem Taltos para uma campanha de RPG no cenário de Forgotten Realms, bastante conhecido entre o público. O texto foi devidamente reduzido para ser aplicável ao blog, como o próprio Daniel declarou em entrevista aos nossos estúdios. O fato é que o conto vencedor trabalha bem o tema fantasia, trazendo criaturas fantásticas (convenhamos, o dragão é uma das criaturas mais referenciadas na literatura, perdendo talvez para os faunos e fadas) e é dono de uma narrativa envolvente.

Sabe, eu acho que realmente deveria escrever aquelas contracapas de livros...

E sem mais delongas, conheçam o conto merecidamente vencedor do concurso Membrana Seletiva!

Taltos

“Mais voa o sábio do que o dragão”.

Por toda a torre se espalha o ensinamento. As palavras de meu pai ecoam por entre livros e escadas, escadas que jamais subirei. Entretanto, as conheço como ninguém. Conheço seus atalhos e segredos. Sei a posição de cada livro e corredor; mas jamais os percorri.

Jamais fui a lugares que tão bem conheço. Conheço folhagens que sequer vi. Sei línguas das quais nunca conheci representante. “Mais voa o sábio do que o dragão”; foi o consolo de meu pai que me direcionou ao estudo. Em seu lugar não seria capaz de tal nobreza, afinal criar sozinho um filho inválido e ainda tornar sua vida agradável não é tarefa fácil.

Nunca cheguei a aceitar o sofrimento por minha debilidade graças a ele. O “velho elfo” sempre alimentou meus sonhos de cura enquanto aguçava minha sede por conhecer. Acabava por criar a imagem em minha mente de que quanto mais eu sabia, mais próximo estava de subir as escadas.

E aqui continua Taltos no mesmo quarto, já medido e examinado mentalmente milhares de vezes. Aqui estou cuidadosamente sentado. Como cristal que pode facilmente partir, entre livros, línguas, heróis e monstros. Aqui estou, como estive a tempo suficiente para entediar um elfo.

**********

Esta noite tive um sonho.

Queria que meu pai estivesse aqui, para ele todos os enigmas são simples. Meu sonho, aos seus olhos, seria tão visível como placa de estalagem, ou pelo menos tão visível quanto eu imagino que elas sejam. Mas ele não está.

Estava sozinho em meu quarto, e de cada móvel, cada livro, cada objeto nesse maldito cômodo, partiam correntes que agarravam meu corpo fraco, mas tais amarras não me desesperavam, convivia com elas como se sempre tivessem estado ali. E então Allana Lianon entrou no quarto, não estranhei quando reconheci a mão que jamais vira, da qual me foram negadas até mesmo as descrições.

– Cresceu forte Taltos – disse ela sentando em meu leito. – É bom ver o adulto em minha criança.

– Tenho sono – meus lábios eram capazes de autonomia, criando mensagens de sua própria cunha. – Tenho que dormir.

– Não é hora, criança. O Dragão se aproxima. Vem seguido de três e atrás deles, outros.

– Não me notarão. Permanecerei em silêncio. Descansando, pensarei em algo.

– Se esse é seu caminho, Corellon abençoe suas botas. No entanto, filho sábio, engana-se pensando que não o notarão.

Sem olhar para trás, partiu.

E eu restei em medos. Meu quarto era seguro, minhas correntes me protegiam. Nada podia me alcançar, mas meu quarto tem janelas. Quando debrucei e vi a fera, dei-me conta de quão sábia fora minha mãe.

O dragão era de tal magnitude que de minha janela só se viam as garras. Atrás dele caminhavam um casal e uma criança. Mais ao longe, havia outros.

Entrei em desespero. Quanto mais tentava fugir, mais firmes as correntes apertavam. De fora vinha a certeza de que estavam cada vez mais perto. Agora entendia o erro que minha mãe me apontara: eles jamais passariam sem me notar: eles vinham por mim.

Então, outra câimbra me despertou. Quando o velho voltar, penso em narrar-lhe meu sonho. Talvez ele tenha tempo de interpretá-lo. Talvez fale sobre mamãe…

**********

O velho esteve em casa, não está mais. Ficou somente à noite e partiu. Estava ocupado, tinha visitas. Pouco o vi nesta noite, porém foi a ocasião em que mais se mostrou. Apareceu ainda de madrugada, pouco antes de partir.

Taltos, ouça o que tenho a dizer.

Sem muita dificuldade despertei de meu transe e vi meu pai, imponente, vestido com seu melhor manto. Pude ver sua sabedoria estampada em seu porte. Senti orgulho.

– De pé tão cedo? Partirá novamente?

– Sim, devo. Mas é a última viagem. Logo, tudo será sanado.

– Aonde irás?

– Vou ao lugar que tenho planejado ir todo esse tempo. Fazer algo que deveria ter feito há anos. Porém, falaremos disso quando eu retornar. Diga-me Taltos, eu falhei em cuidar de ti?

Nesse momento pela minha mente passaram-se os abandonos constantes, o excessivo zelo e conselhos contínuos. Vi meu pai parado diante de mim buscando aprovação.

– Tenho orgulho de você, meu pai.

Abraçamo-nos e nos despedimos. Quando já partia, lancei-lhe a pergunta:

– Pai, como ela era?

Olhou por sobre os ombros, sorriu e disse:

Taltos, mais voa o sábio do que o dragão. Mas sua mãe via ambos metros abaixo dela.

E partiu.

**********

Hoje enterrei meu pai.

Tudo começou com o mesmo sonho. Parece-me que desde que vesti a Garra que veio com seu corpo tenho dormido. E o sonho se repetiu, mas dessa vez ele foi adiante. Quando o Dragão se aproximava seguido de sua tríade e horda, que se mostrava mais próxima do que eu jamais desejaria. Quando debatia meu frágil corpo inutilmente, algo novo aconteceu. Ouvi uma voz cochichando em minha orelha direita:

– Pare de se debater como uma truta e livre-se desses anzóis, Taltos.

Virei para ver a bela humana que falava atrás de mim. Parecia uma jovem de cabelos encaracolados tão louros que chegavam a luzir.

– Quem é você?

– Não é hora para conversas, “garoto”. Por que não se levanta? Tenho um lugar para lhe mostrar, conversaremos no caminho.

– Se pudesse me levantar, fugiria, mas as correntes me prendem.

– Fala dessas linhas? – começou então uma dança estranha ao meu redor tocando minhas correntes como se fossem fios de seda. – Ora, Taltos, por um segundo tenha orgulho!

– Do que está falando mulher!? Achas que brinco? Se pudesse fugir do Dragão, fugiria!

– Em primeiro lugar, chame-me Enoa; em segundo, por que fugiria do Dragão? Não vê que ele está adormecido?

E tive consciência de que era verdade.

– Então de quem devo fugir? Dos outros três?

– Quais três? Vejo apenas dois, e eles têm outros assuntos a resolver no momento.

E tive consciência de que era verdade.

– E os Outros?

– Se eu fosse você, levantaria antes que cheguem. Por que não parte esses fios com sua garra?

E eu tinha garras. As correntes que por tanto tempo me seguraram partiram-se como raios de luar quando as forcei com meu corpo poderoso. Ela já estava no corredor.

– Corra Taltos, não há tempo.

E corremos por entre livros e estantes, por cômodos e escadas até que chegamos a um dos muitos esconderijos da Torre, e lá entramos. Tudo era muito real, eu sentia a pedra fria sob meus pés, a umidade. Num minuto tão real, no outro…

Estávamos em uma caverna, acho, estranhamente trabalhada, mas uma caverna.

– Aqui, “garoto” – ela estava na frente de várias estantes repletas de livros. – Aqui está toda a sabedoria que procurava.

– Que livros são esses? – indaguei.

– São os livros que falarão de você. Suas histórias.

– Livros falarão de mim?

– Todos esses falarão de você. Menos a última prateleira.

– E que são aqueles livros?

– Aqueles, – sorriu. – são os livros que já falavam de você! – disse isso e pôs-se a gesticular de maneira estranha, como se desenhasse símbolos no ar. E a cada gesto dessa dança foi como que absorvido pelo meu corpo. E ao final ela riu e gritou.

– DESPERTA TALTOS!

E eu acordei.