quarta-feira, abril 04, 2007

Vendo a Noite com Outros Olhos



"Pra sempre é pra sempre"




Hoje vi uma poesia no pôr-do-sol. Um poema trágico, que ninguém mais viu. Os versos não escritos começavam rubros sobre minha cabeça e iam perdendo as forças em direção ao horizonte, até que terminavam num amarelo desfalecido.

Me pergunto quem - ou o quê - terá morrido. Se apenas o sol, para nascer de novo, se apenas o dia ou se alguma vida teria realmente se esvaído.

A rua de terra à minha frente se mostra completamente diferente, porém igual ao que é todo dia. A luz turva forma uma cortina à minha frente. Esses caminhos que eu percorro todo dia me parecem antigos, muito antigos para uma cidade que não conta 500 anos.

Pouco depois, nasce a Lua. Cheia, soberba, num trono de nuvens fofas e coroada pela própria luz. Toda a graça de uma deusa antiga - e todo o seu mistério.

A lua-deusa se ergue do mar, eu vislumbro por entre os prédios, que parecem tão mal encaixados na cidade. Esses prédios, essas casas, o asfalto mais adiante, os carros que teimam em correr as ruas, com seus ruídos, faróis e buzinas. Tudo isso parece descontextualizado. Por algum motivo eles não deveriam estar ali. A cidade não deveria estar ali. Apenas a praia parece estar no lugar certo.

A luz sobrenatural da Lua parece exigir a extinção da cidade, ao menos por alguns momentos. Páro de ouvi-la, de vê-la. Só há a praia, a luminosidade lunar e eu; que nem lembro de ter caminhado até a areia. Sento-me e ouço a rebentação das ondas. Tão calmas e relaxantes e ainda assim tão furiosas e dominadoras.

A noite parece me lembrar de tudo aquilo que li um dia, que estudei em aulas de história, que sei de culturas antigas. Parece me falar de como era soberana e temida. De como era venerada. Me conta das danças sagradas, oferendas e sacrifícios. Me conta das suas sacerdotisas. Me leva para o seu tempo.

Com o passar do tempo, a Lua se afasta da terra, se afasta de mim. Diminui e se esconde por entre as nuvens, quase como em protesto. Havia perdido suas oferendas, suas danças, seus sacrificios e a devoção antes a ela devotada. Deixa de ser uma Deusa e volta a ser um simples satélite. Deixa de ser sagrada, é só mais um fruto do acaso. Um corpo celeste girando em torno de outro. E eu sou tragada devolta a esse tempo.

E o sol nasce. Uma outra poesia sendo escrita. Um outro dia nascendo. Os raios como lanças a rasgar o véu da noite, vindo do mesmo mar onde a lua havia nascido. Uma poesia delicada como bruma, que se desfaz sob o calor do próprio poeta.

7 comentários:

Anônimo disse...

Seria tão bom se as pessoas paressem para admirar um pôr-do-sol por ano ao menos...se dessem mais valor às coisas "simples" da vida...
Acho que muitos (até mesmo eu) não dão o devido valor a certas coisas porque acham que vão tê-las pra sempre.

Allana disse...

Ué, sempre se pode dançar pelada à luz do luar! XD

Theoder.280 disse...

Poxa, o texto é tão profundo que me senti um pouco mais burro agora...

Italo disse...

A lua...
*suspiro*
A lua...

Anônimo disse...

Pior é a poluição luminosa. Deve-se estar no interior pra ser testemunha de uma bonita noite de lua/estrelas.

Thomas Freitas disse...

Que bela crônica.
Uma sensibilidade capaz de percerber as coisas mais ternas deste mundo.

Katze Yue disse...

Ahhhh to chorando x____x PARABÉNS, mulher!