quinta-feira, maio 24, 2007

Causos








"Os opostos se distraem; os dispostos se atraem".








A quantidade de histórias que se passam na rua Odylon do Egito é inversamente proporcional ao seu tamanho. As casas pintadas de branco, de telhas na cor laranja, e calhas metálicas para a chuva abrigam, na extensão de pouco mais de 100 metros, uma roda de samba semanal, um velho meio senil que apronta algumas diariamente, e é também ponto de operações ilícitas às quais todos se fazem de desavisados.

As rodas de samba já são quase atrações turísticas para aqueles do ramo. Iniciam-se normalmente com um churrasco, nos meados da manhã (horário em que qualquer cidadão deveria estar dormindo, em se tratando do merecido domingo), e estendem-se até o final da tarde, às vezes entrando pela noite. A ruas de distância, e essas certamente com suas próprias histórias para contar, o barulho dos instrumentos desritmados e a cantoria previsível, quase agourenta, pode ser ouvida. Mas que se pode fazer? A vida em comunidade tem dessas coisas.

Pena que quase nada dessas coisas sejam agradáveis. O senil, por exemplo, era famoso por paquerar, nada discretamente, qualquer mocinha que passe por perto. E isso aconteceu até com a minha namorada, que sem graça e educada demais para xingar o dito cujo, sorriu amarelo e seguiu seu caminho. Até que certo dia a síndica do prédio onde moro foi alvo dessas investidas. Ele não deveria ficar impune, afinal. Os porteiros resolveram se juntar e dar uma lição no chamado Doido, que depois desse episódio não voltou mais por estas bandas.

Outra particularidade dessa lendária figura era seu hábito de conversar com o nada – ou melhor, de gritar com ele. Não que fosse possível entender tudo o que ele dizia, mas as crises seguiam o ciclo das cigarras: bastava o sol começar a se pôr e a ladainha começava. Mas havia algumas situações engraçadas, como quando ele ameaçou matar o padeiro da esquina. Doido saiu correndo, esquecendo um chinelo roído, na base do rolo de macarrão.

E não esquecendo as negociações a céu aberto, tenho quase certeza: meu vizinho é um traficante. E eu não digo isso somente pelas músicas de Bob Marley que ele escuta o dia inteiro, nem pelo cheiro forte que incensa o corredor do prédio no meio da tarde, mas pelas vendas que realmente acontecem, coincidentemente nos dias de roda de samba. Esses acordos, no entanto, não são feitos na Odylon do Egito, mas em uma rua transversal, que nem nome tem. Cercada por dois prédios, e com aproximadamente o dobro do tamanho da primeira, a ruazinha decadente é quase uma boca-de-fumo.

Aproveitando a oportunidade, a tal rua sem nome também serve de motel barato para casais de variados tipos. Não que eu tenha visto nada explícito, mas as várias provas físicas, de risco biológico para toda a comunidade, não deixam dúvidas: os preservativos usados, acompanhados de suas respectivas embalagens, já fazem um bom retrato.

E falando em retrato, para terminar, tentou-se fotografar os cenários onde se passam esses fatos. A presença, no entanto, de uma quadrilha profissional que realiza roubos montados em bicicletas financiadas pelo narcotráfico da região, assustou o fotógrafo que temeu pela sua segurança e de sua máquina.


Créditos da imagem: Thalweg's Gallery

6 comentários:

Allana disse...

I'm a ghost writer. :P Esse texto eu fiz para ajudar Nino a fazer um trabalho da UFPB.

Vale salientar que apenas parte dessas coisas são inventadas. Exageradas, eu diria. O velho realmente levou uma camada de pau dos porteiros, e era chamado carinhosamente de Doido, mas não chegou a me cantar não.

As rodas de samba são completamente verdadeiras. Sem tirar nem por. A do motel barato também.

A dos negócios ilícitos? Sabe, não quero me meter com esse pessoal da torre...

Fernanda Eggers disse...

Eu vou fazer uma pequena edição de formatação no seu texto, pra colocá-lo abaixo da imagem, ok?

Bjs!

Fernanda Eggers disse...

Eu acho...
Bem, eu duvido que essas histórias tenham sido criadas, eu não sei porquÊ... =x

(Pior é que nem conheço a rua, mas o "comércio" é o de menos)

Enfim, o texto é seu, Allana, ou é de Nino? Ou dos dois? O.o

Italo disse...

Que oonda. E eu achando que era no Rio, não sei por que. Legal, o texto. Diferente do que estou acostumado. As rimas em certos trechos foram planejadas?

Allana disse...

1. O texto é meu; esse, que foi publicado, foi usado por Nino como base pro trabalho dele.

2. Não. Rima é coisa de poeta. :P

Anônimo disse...

Diga a Nino que ele tenha vergonha de fazer isso, que ele vai ser um jornalista, não deveria estar colocando outras pessoas pra escrever no lugar dele =P

Engraçado como os lugares que nós conhecemos tem histórias interessantes pra serem contadas, só basta que alguém se interesse por contá-las.

Muito bom mesmo =D