domingo, fevereiro 25, 2007

Canção dos Dragões




A atividade enriquece mais que a prudência.




Atrás de mim, o céu se mostrava escuro, algumas estrelas ainda brilhavam. Já a minha frente, o azul clareava, passando do mais escuro ao início de um tom alaranjado, denunciando o nascer do sol por vir. A marca1 ardia, conforme o tecido roçava na pele queimada. Soltei um pouco mais a camisa surrada, e deixei o vento frio que se despedia da madrugada refrescar meu corpo cansado da estada em Argonessen.

Tanto o que fazer, e tanto o que pensar! A marca, a Profecia2, o que estamos prestes a fazer... tudo poderia acontecer daquele momento em diante. Respirei fundo, como se tentando trazer aquela aparente paz para o meu espírito. Aparente, porque eu sei muito bem do que está para acontecer – do que estamos tentando evitar. Os marcados pelos dragões, como nos chamam o povo de Seren, têm um papel a desempenhar, segundo diz a Profecia, embora ninguém saiba realmente o que ela diz. Imaginei se os próprios dragões sabiam muito mais do que os mortais.

E aquelas montanhas, colocadas ali como uma verdadeira defesa? Seriam elas produtos da natureza? Duvidei que não. Pareciam cair como luvas, afastando possíveis invasores indesejados da Terra dos Dragões. Elas se erguiam muito mais poderosas que qualquer muralha de Khorvaire, e ainda assim muito mais naturais que qualquer obra dos elfos.

Impossível de se confundir com a vastidão a minha frente, vi um ser enorme no pico de uma das montanhas que cercavam a ilha. Austero, ergueu o longo pescoço escamado, profundamente azul, e pareceu olhar ao redor. Tenho certeza que notou o navio - poderia até dizer que ele notou o meu olhar em sua direção, mas não tenho certeza. E com uma graciosidade que eu imaginava ser impossível para uma criatura daquele tamanho, ele alçou vôo, se perdendo no azul do céu.

E quase como se para continuar o espetáculo diante de mim, percebi outro dragão ganhar vôo. Se é que eu posso chamar aquele ondular ao vento de vôo. Seu corpo era longo, vagamente serpentino, e das suas costas as vértebras pareciam alongar-se. Entre os ossos sobressalentes, escamas de puro ouro líquido ondulavam no céu, com uma naturalidade e uma beleza nunca antes vistas. Não, ele não voava. Ele nadava em um céu que ganhava tons de dourado. Seria o sol, ou as escamas do dragão?

Em seu encontro veio outro ser tão ou mais majestoso. Sua pele também parecia banhada, mas dessa vez em pura prata. As formas eram perfeitas, graciosas, e por fim os dois se encontraram. Mas não pareciam sequer se tocar – rodopiavam entre si, ora descendo, ora subindo. E então, só então, pude ouvir: vozes estridentes, mas nem por isso menos belas. Eles estavam cantando. Eu estava ouvindo a Canção dos Dragões.

Logo outras vozes se juntaram ao coro, formando um conjunto de fazer inveja a mais afinada orquestra de Khorvaire3. Estou certa que nunca mais vou ouvir algo tão bonito assim. Tão bonito e tão triste. Eu não podia entender as palavras, mas aquilo já não mais importava. Eu podia sentir a força da canção reverberando nos meus ouvidos, chegando a minha alma. Cantavam por um dragão caído, lamentando seu fim. Tamanha era a tristeza daquela canção, tamanha era sua força, que senti meus olhos marejarem.

Em uma harmonia até então impensável para mim, o coro crescia, e aumentava, e ganhava poder. Junto com as notas inumanas, sentia a canção ganhando força, como se pelo poder do lamento daquelas poderosas criaturas, o companheiro caído pudesse ser trazido de volta. E por que não? Eles eram dragões! O mundo como conhecemos foi criado pelo poder da canção de apenas um deles, segundo contavam as lendas.

Lendas?

Por fim, a canção acabou. E eu já não podia mais vê-los. Olhei ao meu redor, e todos pareciam ocupados demais para terem percebido o que aconteceu. Como eles puderam não ver? Como eles puderam não ouvir? Todos ali, tão perto, e ainda assim tão absortos em suas preocupações mundanas que perderam uma oportunidade única em suas vidas. Será que aquilo não passou de um sonho meu? Algum tipo de delírio causado pela atmosfera milenar da misteriosa ilha de Argonessen4?

Bardos manipulam a canção, ou as palavras, para influenciarem uma pessoa sob sua vontade. Mas as lendas, as lendas contadas por esses mesmos bardos, falam do poder dos dragões. Falam que, com a força de uma canção, eles criaram o mundo. Os Dragões Ancestrais fizeram isso. E por que seus descendentes não poderiam manipular a terra, o ar? Por que não poderiam eles criar uma muralha natural de montanhas para protegerem seu lar? Por que não poderiam eles, pelo poder de sua canção, mudar o mundo?

E conforme o navio Dragonsong se afastava, Argonessen passava a ser apenas Argonessen: uma ilha cheia de mistérios e perigos, lar dos poderosos dragões.

Do diário de Tessa Besson, texto não datado.

Notas do Editor:
1.
A marca à qual se refere Tessa se trata de uma dragonmark, ou marca do dragão, como chamam alguns estudiosos. A maioria das marcas aparecem seguindo determinados padrões, e as pessoas marcadas se aglomeraram e formaram poderosas casas nobres, como a casa Lyrandar, com a marca da Tempestade, por exemplo. Tais marcas, que parecem com tatuagens, concedem determinados poderes ao seu portador. A marca que Tessa apresenta, contudo, é uma das chamadas Aberrant Dragonmarks. Suas formas não seguem nenhum padrão, muito menos os poderes concedidos aos portadores. Estudos revelam que indivíduos que nascem com tais marcas são concebidos da união de membros marcados de casas diferentes.

2. A Profecia mencionada por Tessa faz parte da crença dos Dragões, e do povo que os seguem, habitantes da ilha de Seren. Seren é uma pequena ilha situada a norte de Argonessen, em mares bem ao sul do continente. Nem mesmo os povos bárbaros de Seren sabem do que se trata A Profecia em si, portanto, não há muita informação a respeito. Mas aparentemente, segundo as lendas, cada ser tem um papel a cumprir, de acordo com a Profecia.

3. Khorvaire é o nome das terras do continente, no qual estão situadas as Cinco Nações.

4. Argonessen é a ilha onde habitam os dragões, idolatrados como totens pelos bárbaros de Seren. Não há muita informação a respeito, visto que poucas expedições voltaram de lá.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Festa Estranha, com Gente Esquisita





As hard as diamonds.




Aquela tinha tudo para ser uma noite normal. Sabe, tudo mesmo. A lua estava no céu, naquele estágio que ninguém consegue dizer se está cheia ou não, mas que todos sabem que ela não está; as estrelas ali também, mas aparecendo só de vez em quando - o que me leva a perguntar por que as estrelas se escondem da gente, mas acho que isso não vem ao caso. Não tem nada a ver com a história.

O fato é que aquela deveria ter sido uma noite normal. Sim, normabilíssima. Dessas que você chega em casa do trabalho, tira os sapatos, fica andando de meia pela casa e ouvindo sua esposa reclamar do lamentável gosto musical da vizinha que não pára de ouvir: "É na sola da bota, é na palma da mão... bote um sorriso na cara e mande embora a solidão...", e dizer que não agüenta mais isso, e que quer se mudar dali. E então, você, ignorando de uma maneira carinhosa, "sim, querida, eu concordo. Mas não podemos nos mudar agora, você sabe", se senta na frente da tv e assiste o jornal, falando da conjuntura política do país, que nunca muda. Uma noite bem normal, não concorda?

Bem, eu estava voltando no meu carro - um carro modesto, mas bem conservado, que funciona bem a maior parte do tempo. Isso porque eu sou um cara cuidadoso, que prefiro cuidar sempre do carro a deixá-lo por aí, sabe? Justamente para ele não quebrar nos piores momentos. Como aconteceu naquela noite.

O pior é que eu resolvera fazer um trajeto diferente. Estava justamente numa rua que eu achava que já havia passado por algum momento da minha curta vida, mas algo dentro de mim dizia que eu estava perdido. Eu devia confiar mais nessas coisas de intuição masculina.

A rua era escura, daquelas que tem um monte de postes de iluminação, mas cujas lâmpadas só funcionam ocasionalmente, seguindo provavelmente uma complicada relação entre a posição astral e a tabela de marés, resultando que elas raramente funcionam. E claro, não iriam funcionar quando eu estivesse ali.

Liguei os faróis, peguei o triângulo de sinalização, conforme todas as leis do trânsito. E só pra previnir, liguei também aquelas luzes que sempre ficam piscando, e que eu nunca aprendi o nome. Peguei o celular e disquei o número que estava no adesivo colado no porta-luvas, que era do reboque. Estariam chegando em vinte minutos.

Me tranqüilizei, e fiquei dentro do carro, com a porta aberta, e um pé no asfalto ainda quente àquela hora da noite. Engraçado, aquela rua não era movimentada. Por que diabos o asfalto estaria quente num horário onde até fazia um ventinho frio?, me peguei comentando com os meus botões.

Não, os meus botões não me responderam. Mas o susto que eu tomei foi equivalente.

- Bem, por quais diabos eu não sei, mas esse lugar sempre foi esquisito. Asmodeus, muito prazer.

Ainda olhei para os botões da minha camisa, pensando que eles poderiam ter me respondido, e então eu realmente estaria louco. Mas então notei que um destinto senhor estava parado do lado de fora do meu carro, estendendo uma mão com unhas esquisitas, e usando roupas que pareciam ter saído de um guarda-roupa do século XIV.

Me apresentei, ele retirou um cigarro do bolso e me ofereceu num gesto silencioso. Engraçado, nunca fumei, mas naquele momento senti uma vontade enorme de experimentar. Peguei o cigarro entre os dedos - daquele jeito que eu sempre vi nos filmes e achava tão estiloso - e ele prontamente acendeu um daqueles esqueiros prateados, que devem custar uma nota.

- O que houve com o carro?
- Hum, não sei. Apenas *cof cof cof* quebrou sozinho. Liguei pro reboque, acho *cof cof* que estarão chegando *cof cof* em breve.
- Nunca fumou antes?
- Bem, não realmente. Mas é... agradável.

O sujeito sorriu de um jeito quase imperceptível. E então eu consegui notar que o lugar inteiro estava mudando. O céu - se é que eu poderia chamá-lo assim - começou a mudar de tom, chegando a um vermelho que parecia ter saído de um daqueles filmes de terror de baixo orçamento. As tintas das paredes caíram de repente, e tudo parecia cheirar a tétano.

- Bem parecido com um filme que eu vi recentemente...
- É. Eles fizeram uma pesquisa de campo.
- Você está me dizendo que... Ah, bem, você só pode estar brincando, não é?
- Claro - uma pausa, que quase me tranqüilizou. - que não. Vamos, ligue o carro. Vamos fazer um tour pelo meu lar. Mas conhecido como Inferno.

Algo me dizia que se eu não ligasse logo o carro, ia acabar carbonizado como um pássaro que acabava de cair na estrada, com um grunhido alto e agudo. Esperei que entrasse no carro e girei a chave. Funcionou perfeitamente.

E lá estava eu, andando pelas ruas de um asfalto perfeito, apesar de um tanto quentes demais. No toca-fitas que já não funcionava tinha uns meses, tocava algo que parecia pop dos anos 80. Eu sempre achei que aquilo era coisa do demônio mesmo.

- Hum, eu achava que os buracos no asfalto eram coisa... de vocês. - falei, tentando quebrar o silêncio.
- Não, não somos nós que fazemos chover. Além do quê, é muito mais tentador uma pista em linha reta com um asfalto perfeito, não? Sim, sim. Os rachas foram inventados por nós.
- Hum, faz sentido... Mas... por que me trouxe aqui?
- Porque você foi o azarado de estar no meu perímetro quando eu estava passando por perto.
- Ah... Que sorte. - pausa. - Hum, mas eu vou voltar?
- Ainda não sei. Apenas continue dirigindo.

Eu podia saltar do carro. Mas com certeza não saberia fugir daquele lugar. Minha esposa devia estar muito brava comigo, pois completávamos... quantos anos de casamento mesmo? Ou era o aniversário dela? Bem, não importa. Ela realmente ficaria muito brava comigo. E minha esposa brava com certeza era pior que qualquer outro demônio.

- Bem, sabe, é que eu tenho compromissos... sabe, minha esposa. Bem, é uma data especial, e nós íamos sair para jantar... e...
- Ah, claro. Sexo. Bem, essa invenção não é nossa, mas certamente foi uma bela idéia deles. Eu entendo. Bem, você pode voltar aqui outro dia. E provavelmente será para todo o sempre. Então, terá muito tempo para conhecer tudo aqui.

E então o cenário mudou com a mesma rapidez. Estava na mesma rua escura e esquisita, e minha carona já não estava no carro. Mas as notas de "Jones, Jones, come doctor Jones, doctor Jones, doctor Jones wake up now..." ainda soavam na minha cabeça.

O carro funcionou e eu voltei pra casa. E não precisei pagar o reboque.

- Querido, que cheiro esquisito é esse na sua camisa? Parece enxofre...

  1. Isso é uma velharia, logo, uma republicação, embora nunca tenha aparecido aqui no Membrana. A questão é que Allana queria estar com humor e cabeça para escrever um texto digno de comemorar as 100 postagens do blog, mas não está com o mínimo humor/inspiração para isso. E como esse é um texto relativamente bom, e relativamente engraçado, então merece relativamente estar nesta ocasião tão especial para o blog.
  2. Allana queria saber fazer aquelas notas bonitinhas que Fernanda faz, mas não é uma blogueira profissional e a dita cuja não se encontra disponível para ensinar-lhe.
  3. Allana acha muito estranho falar de si mesma em terceira pessoa.
  4. 100 posts na Membrana que de Seletiva não tem nada! A equipe Membrana está preparando algumas surpresas, mas aparentemente só preparando mesmo. Sem previsão de quando vão ficar prontas.

terça-feira, fevereiro 20, 2007

¹ Fofoca de Carnaval
² Um Vestido (uma bobagem para satisfazer a curiosidade de alguns)



"Sem braço, sem biscoito"




É Carnaval. Isso é evidente, pelas marchinhas tocando a cada esquinha, a espuma maldita nos carros estacionados nas ruas e os bêbados e motoristas loucos que já tomavam conta das ruas uma semana antes.

Esse ano eu ainda aproveitei algo. Fui para um bloco e uma festa. Cuidei de um bêbado e resolvi que estava bom. Mas para onde fugir do carnaval? Para o shopping, oras!

Lá fui eu e uma amiga, para o shopping, pensando em tomar sorvete, aproveitar o ar condicionado e xeretar as promoções. Sorvete tinha, ar condicionado também. Promoção nem se fala, eu acabei comprando meu vestido de casamento*. O grande problema é que muitas pessoas pensaram na mesmíssima coisa. E, claro, a trilha sonora era composta de marchinhas de carnaval.

Cansadas de ficar dentro do shopping, respirando ar seco e vendo gente perambular de um lado para o outro sem ouvir direito as conversas interessantes dos outros, decidimos sair do shopping e sentar num dos bancos próximos à entrada principal.

Lá estávamos nós, observando o movimento frenético de entrada e saída dos táxis até que chegam duas senhoras e duas crianças, as mulheres evidentemente brigando. Minha amiga nota e chama minha atenção. Uma das mulheres é, provavelmente, a avó das crianças. A outra devia ser a mãe. Não dá para entender muito da discussão, mas a mulher mais nova enfia a mais velha e as crianças dentro do táxi próximo a nós, gritando: "Eu fico com quem eu quiser". Ela falou isso pelo menos 3 vezes. O táxi partiu com seus 3 passageiros, a mulher, com seu vestido de sainha plissada cor-de-rosa, voltou para dentro do shopping.

Eu e minha amiga ficamos conjecturando como teria sido o resto da conversa, o que a mulher mais velha teria dito e o que havia desencadeado tal discussão. Além, claro, de um ou outro pensamento maldoso, do tipo "ela fica com quem fizer o favor de querer ficar com ela, porque pelamordedeus, ninguém merece".

Voltamos para o shopping, saímos meia hora depois, já com o intuito de irmos embora, quando a mulher do vestido rosa passa por nós, devidamente grudada num homem. Ela se posiciona ao lado de um dos bancos externos do shopping e os dois se beijam como um casal de adolescentes de 15 anos em plena Micaroa já abastecidos com uma certa quantia (talvez não muito saudável) de álcool. Pois bem, ela realmente ficou com quem queria. Ou com quem queria ficar com ela. Ainda tentei ver se ela era casada, para ver se era esse o motivo pelo qual ela e a avó das crianças brigavam, mas não tive como ver sua mãe esquerda.

Uma pena. Vocês vão ficar com a fofoca incompleta. Sei que fui embora e, ao localizar meu carro, deparei-me com uma grossa camada de espuma em todos os vidros do lado direito e em parte do vidro dianteiro. Isso me fez esquecer a vida alheia rapidinho.


* O vestido de casamento: certo dia, diante de certa loja de roupas indianas, deparei-me com um vestido belíssimo, branco, longo e muito simples, exceto por alguns bordados, também em branco. Estava com mais duas amigas e aproveitamos para entrar na loja e olhar o preço, além de dar uma olhada nas bijuterias.

O vestido era caro. Muito caro. Uma das amigas que estavam comigo disse que, se eu quisesse me casar com aquele vestido, aí sim valia a pena. Nesse momento eu olhei pra ela, para o vestido e cheguei à conclusão de que sim, me casaria usando aquele mesmo vestido. Inclusive viajei um pouco na história, já compondo os detalhes de como seria o casamento.

Não provei o vestido. Deixei-o lá e fui embora, com a certeza de que o comprariam ainda aquela semana.

Qual minha surpresa quando, duas semanas depois, entro na loja, com outra amiga e o vestido ainda está lá. Dessa vez, me fizeram provar o dito cujo. Pra quê? Pra tentar meu juízo, lógico, pois a roupa caiu tão bem quanto eu imaginava. Para minha felicidade, o preço tinha baixado e ainda havia um desconto em cima desse novo preço.

Fiz a aquisição do vestido do meu casamento de nuvens. Um vestido que provavelmente vou usar para ir a um restaurante ou uma festa numa noite quente. Melhor do que guardá-lo para um dia incerto, pois ninguém sabe se, no futuro, haverá o homem certo, a praia certa e o nascer-do-sol certo.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Conhecendo o Desconhecido - I





As hard as diamonds.




Os confortáveis sapatos pisavam no concreto da calçada de um bairro sul de Chicago. Nicole se perdia em pensamentos enquanto planejava a sua tarde: deveria se encontrar com Mabel, aquela jovem-rica-mimada que conheceu na noite anterior, e depois estaria supostamente livre. Planejava ir no hospital, visitar o Matt. Gostava de fazer isso de vez em quando, apesar de duviddar que ele pudesse ouvir as coisas que falava. Bem, ao menos ele era um bom ouvinte - não a interrompia. E aquela agora, Mabel? Ela estava em um hospital a noite passada. Será que alguém importante estava muito mal? Com certeza essa pessoa não estava bem, pois não estaria num hospital, não é?

Conseguia ser tão idiota às vezes. Por que não era como as pessoas normais, que pensavam em coisas como "e o que eu vou fazer esse fim de semana?", ou "será que eu deixei o gás ligado?". Certamente seria um problema se tivesse esquecido o gás ligado...

Por que a rua estava tão deserta? Devia ser o horário.

Não demorou a avistar Mabel Yonker. Os cabelos loiros brilhavam no sol da tarde, e ela lhe dirigiu um olhar de reconhecimento, seguido de um aceno. Imaginou se ela era loira de verdade. A própria Nicole já havia sido ruiva antes, quando morava na França. Pena que não podia pagar mais luxos assim. Achava azul uma cor muito bonita.

- E então, tudo bem? - perguntou Mabel, levantando-se. Era uma moça bonita, pôde reparar.
- Tudo sim. Quer um pouco? - ofereceu o copo plástico com ovomaltine do Bob's. Quando percebeu o olhar de estranhamento, explicou. - Meu almoço.
- É por isso que você é tão magra...

Nicole ignorou o comentário, sem saber se levava como elogio. Pelo menos não fazia parte das estatísticas da população obesa americana.

- E então, onde ela está?
- Bem ali, dois quarteirões acima.
- Eu não vim sozinha. Dois amigos meus estão comigo, e um deles você conheceu ontem. É aquele que vem ali. O outro está fingindo ler um jornal ali do outro lado...

Mabel continuou a fala, enquanto Nic0le refazia mentalmente os passos da tarde anterior. Voltava para casa, no final da tarde. A rua estava movimentada ontem, lembrava. Por que é que estava tão deserta agora? Voltava para casa. Devia estar pensando em alguma coisa, pra variar, quando viu uma mulher sentada no chão, chorando. As pessoas passavam por ela como se não estivesse ali, como se simplesmente não existisse. Não existia mais uma fagulha de humanidade nessa gente?

Se aproximou dela, e então percebeu porque ninguém mais a notava. A pele estava completamente queimada, desfeita em boa parte do corpo. Pedaços inteiros de carne se desprendiam do corpo e se esvaeciam antes de cair no chão. O choro era compulsivo e tinha um somo inumano, gutural. Nicole não sabia o que fazer. Não estav com medo - não muito, pelo menos. Quando ver espíritos se torna algo comum e habitual, você passa a encarar isso de um modo natural. Quase como respirar, andar, e todas essas coisas. Quase.

- Senhora... você está bem? - que pergunta mais estúpida, Nicole. É claro que ela não está bem.
- Você... pode me ver? Você pode me ver?

De um modo rápido e com uma voz falha, ela contou o que aconteceu. Assassinada; seu carro foi carbonizado Era aquele ali no final da esquina. Era professora universitária, trabalhava numa pesquisa, e agora sua aluna corria perigo. Mabel, o nome dela. Mabel Yonker.

- Eles irão atrás dela também... faça ela parar... faça ela parar! Diga a ela, diga que pare! - a mulher parou um pouco, tentando pensar. - Se ela parar... eu posso ir embora?
- Eu... espero que sim.

- O que disse, Nicole? - a voz de Mabel a fez voltar à realidade.
- Hã? Não, nada. Pensei alto. Você tem certeza de que... pode vê-la também?
- Não se preocupe com isso. Eu posso. Mas o que ela havia dito-
- Esperem. - falou o homem de meia-idade, cujo nome ela descobriu ser Simon. - Há algo... estranho nesse lugar. Vocês não podem sentir?

quarta-feira, fevereiro 14, 2007





As pessoas são egocêntricas, instáveis, egoístas. Ame-as apesar de tudo.





Na aula de direito civil ando aprendendo sobre o casamento, divórcio, partilha de bens.

Está tão fácil "contrair matrimônios" atualmente, se não se levar em conta o processo de habilitação, o planejamento da festa, o pagamento da celebração, a lista de convidados e o fato de quase nada sair como o planejado; acho que é a tal banalização do amor e sexo de que tanto falam.

Não sou a pessoa mais tradicional do mundo, mas acho que certos passos da vida deveriam ser, ao menos, melhor refletidos antes de serem dados.

Casamento não é um contrato bilateral com cláusula de arrependimento, não se deve simplesmente dizer: Se fulano de tal apresentar intolerância as minhas saídas noturnas de quarta num prazo de 1 ano a "obrigação matrimonial" estará dissolvida. Casamento não envolve apenas marido e mulher (ou mulher e mulher, ou homem e homem), casamento envolve família, envolve filhos, envolve perspectivas e sonhos.

Comumente escuto pessoas perguntarem: Quantos filhos você tem? Todos do mesmo casamento? É seu primeiro marido?

Não estou dizendo que as pessoas não têm o direito de se arrependerem, não estou dizendo que elas têm que ficar "até que a morte os separe" com alguém que não serve nem como vizinho de apartamento...o que estou dizendo é que algumas pessoas hoje encaram o casamento como um simples: vou testar, se não der certo não deu.

Acho que existem muitas outras formas de se "testar", como dividir um apartamento antes e ver se estão realmente prontos para convivência diária, para acordar e dar bom dia a uma pessoa possivelmente descabelada e com hálito duvidoso. Para fazer concessões sem abdicar de sua individualidade. [parece paradoxal escrito desta forma]

Disseram-me uma vez: se viver é difícil, conviver é o diabo.

Por quê fazer toda uma solenidade, se ater a mil trâmites burocráticos, deixar a família envolvida "até o pescoço"?

Qual seria a questão? Falta maturidade? Sobra paixão? Ou é a famosa banalização do amor e sexo sobre a qual tanto falam?

Sonho de Valsa: Uma Campanha Publicitária que deu Certo



"Sem braço, sem biscoito"




Eu juro como não entendo a atração por essa coisa. Eles conseguiram fazer uma massa de gordura hidrogenada com castanha falsa ficar enjoada, cobriram com um waffle e jogaram um chocolate ao leite um pouco doce demais por cima.

Pra início de conversa, eles começaram a vender para mulheres, em bombonières, e vendiam no peso. Era uma embalagem vermelha estranha, com o nome escrito num selo preto e uma imagem de um violão na frente. Os homens não compravam, era chocolate de mulher.

Passado algum tempo, eles aumentaram ligeiramente o tamanho do chocolate e passaram a vender por unidade. Os homens começaram a comprar, afinal de contas, a empresa vendia uma imagem "apaixonadinha" do chocolate, diziam que era demonstração de amor, colocaram um casal dançando valsa na frente e pronto. Quer coisa melhor? Ao invés de comprar belas caixas de chocolates finos e variados pras namoradas, os rapazes compravam um punhado de bombons e davam de presente, com uma conversa frouxa qualquer e as mulheres achavam lindo.

Nada contra querer economizar um pouco, mas vêem? O que estava se vendendo não era uma imitação barata de chocolate, era uma idéia. Era o tal amor ideal, o romance... É fácil embalar isso, não?

Passado mais algum tempo, o tamanho do bombom diminui novamente (e o preço aumenta). Eles inventam um tal de Sonho de Valsa branco e outro com recheio de morango (desses eu tenho até medo).

Desde que surgiu até os dias de hoje, essa coisinha ruim numa embalagem rosa bem-feita (isso eu admito) tem crescido muito. Acho que aí fica comprovado o poder do marketing e o quão influenciáveis as pessoas são. Mulher principalmente, apesar das mulheres de hoje serem mais inteligentes e incrivelmente menos bestas do que no início/meio do século XX.

Não considero esse bombom um chocolate. Chocolate é algo bom, muito bom, e... bom... o Sonho de Valsa tá ali, do lado da beringela. Fazer o quê, não é mesmo? Mas ainda assim acho fantástico como uma campanha publicitária bem-feita faz um produto decolar, seja ele bom ou não.

Quanto àqueles que gostam do bombom, o que posso fazer? Tem gosto pra tudo nesse mundo, não é mesmo? Nada é perfeito. E, depois, cada um tem que ter seus defeitos. Tem gente que gosta de música ruim, tem gente que gosta de bebida ruim, tem gente que gosta do chocolate ruim.



Esse texto é um daqueles que não devem ser levados tão a sério. Se eu acho o bombom ruim? Acho. Eles fizeram uma boa jogada publicitária para vender o produto? Fizeram. Mas nem venha me dizer que tenho algo contra quem gosta do bombom! =p

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Coisas Que Não Se Diz Num Blog



"Love is just a game."




Não se diz num blog, por exemplo, que já morou um marginal mirim na casa vizinha à sua. Vai que ele descobre o blog e lê? Muito menos se diz que ele, com seus tenros 9 anos de idade, invadiu sua festinha de aniversário (sim, a sua, não a dele... ¬¬), jogou areia nas mesas e deu um murro na sua avó.

Não se diz num blog que você já perdeu amizades por ter dado a impressão de estar flertando com a pessoa, ela interpretar errado, você explicar que estava apenas sendo legal e simpática e ela ficar com raiva. Também não se diz o contrário, que você passou por antipática para não dar a impressão de estar dando mole e deixou de fazer uma amizade que teria sido legal.

Não se fala assim pra todo mundo que você tem segredos inconfessáveis. Sabe-se lá o que esse povo pode pensar! Seu segredo inconfessável pode ser apenas um certo amor por cobras ou um leve vício em chocolate. Ou endorfina. Ou que você filou naquela prova e, por ser "caxias" demais, sente culpa até hoje.

Não se diz abertamente que odeia Sonho de Valsa e que aquilo não pode nem ser classificado como chocolate, além de ser uma das coisas mais enjoadas que você já provou. Bom, eu digo. Mas claro que eu vivo num mundo à parte e acredito piamente que os amantes dessa porcaria não vão me apedrejar na rua.

Nem pensar em contar que, quando criança, você ajudava sua mãe a fazer aqueles biscoitinhos gostosos no dia da visita das suas tias-avós e avós. Isso porque sua mão era pequenina e você derrubava a massa dos biscoitos no chão, recolhia antes que alguém visse e jogava na assadeira, pra sua mãe colocar no forno. Claro que o calor matava os "germes", mas para as pobres e amáveis velhinhas, os germes eram aliens assassinos microscópicos que queriam acabar com a Terra.

Deosmelivreguarde de você abrir sua boquinha pra falar mal de fanáticos religiosos. Eles podem te seqüestrar, seqüestrar seu cachorro, explodir sua casa ou pior: tentar te converter. Imagina só! Extremistas são um perigo!

Blog é um troço tão público, mas tão público que acho que até aquele professor da universidade que deu duas aulas, sumiu e aplicou aquela prova que só merece uma classe de adjetivos, os quais não vou publicar aqui, porque isso é um blog de família, até esse professor acha seu blog, lê e pior: lembra da sua carinha e baixa ainda mais sua notinha se ele achar uma linhazinha sobre ele que ele não ache tão legal assim.

Blog é também uma das ferramenteas mais divertidas da internet. E é também um bom meio de falar um monte de besteiras, dizer que é literatura ou qualquer troço parecido e ninguém nunca vai saber o que é verdade e o que não é.

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Ok, I Believe!



"Love is just a game."




Há mais ou menos um mês fiz meu cadastro no Personare, um site de horóscopo personalizado. Bem interessante, ele. Manda pro seu e-mail as previsões de acordo com as mínimas mudanças nos planejtas. Inclusive meu "Marte natal" fez aniversário essa semana. Como pode ter sido, tão longe do meu próprio aniversário, eu não sei, mas quem sou eu pra discordar?

Sendo eu uma criatura meio cética, não acreditava em horóscopo e essas coisas, pelo menos não completamente. Sempre gostei, achei muito divertido, mas acreditar de verdade verdadeira, não.

Até os últimos dias pelo menos.

Chegou um e-mail me avisando que eu teria que escolher entre o lado profissional e o emocional/afetivo. No dia seguinte sou contratada para trabalhar como fotógrafa e uma das primeiras coisas que me dizem é: "Tenha paciência, porque os caras vão dar em cima de você, e muito". Aí eu penso: "Ok, tem alguma relação com meus horóscopo. Nenhum cara com quem eu me envolvese emocionalmente gostaria muito dessa história."

Pouco depois vem um e-mail falando que vou estar mais atraente e, de repente, todas as criaturas que esbarram em mim num dos corredores de um dos 500 cursos que faço lembram do meu rosto quando me encontram em outro lugar.

Também aconteceu de eu levar algumas cantadas ou de alguém parar para me olhar direito, mas isso não vem ao caso, porque o que é realmente importante vem a seguir.

O Personare me avisa que vou estar mais extrovertida, animada e saindo mais (confere exatamente com a semana passada), mas que ainda assim eu me mantivesse no posto de observadora, porque nessa época, por mais que eu gostasse de falar, "falar é prata, calar é ouro".

O mais divertido é que isso deve ser realmente importante. Acho que os planetinhas lá em cima se reuniram, chamaram meu ascendente e minha Lua natal e concordaram que eu devia ficar quieta, porque jogaram alguma coisa e, do nada, infecção na garganta. Claro que não foi uma infecção normal. Qual seria a graça? Foi daquelas para arrasar de vez com a garganta, tanto que já estou há 3 dias sem voz.

Ok. Eu acredito. I believe.

quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Mudanças Canceladas





Love is just a game



Migramos para o novo blogger! Vocês talvez não sintam a diferença, mas é fato. Uma das mudanças é que agora nos temos tags, o que facilita a busca de textos do mesmo gênero dentro do Membrana (assim espero, eu não testei).

Por uma maioria esmagadora, nós não vamos abrir novas sessões pra falar de livros, filmes e o escambáu. Vamos fazer as resenhas aqui mesmo.

(Agora as pessoas que votaram naquela opção gritam "ÊÊÊÊÊÊ!!!!" e quem votou contra faz "aaahhhhh...". Quem disse que não tava nem aí pras resenhas, bom... f*da-s*.)

Só que qual a diferença? Bom, haveria ao menos uma resenha por semana, agora vai haver quando a divina luz do espírito santo baixar sobre uma de nossas 3 cabeças. O que, acredite, é difícil acontecer. No caso de Allana, vai depender da boa vontade e da empolgação dela com o livro. No caso de Deny, idem, mas em relação aos filmes. E no meu caso... bom... como eu sou horrivelmente preguiçosa, vai ser no dia em que eu quebrar a perna e passar o tempo todo em casa, aí eu vou ter que escrever outras coisas além de contos, crônicas e opiniões esquisitas sobre o trânsito e a vida alheia para ocupar meu tempo.

Claro que, se a cara do Membrana é não fazer sentido, bom... No pé que anda o único sentido que esse blog vai fazer é o tema dos avatares que muda a cada 15 dias! ;)