sexta-feira, dezembro 29, 2006

Haunted



Góticos de verdade não existem. Góticos de verdade se matam.




Seus passos ecoavam pelo grande salão, enquanto seus olhos claros se perdiam nas cores renascentistas. Sabia que aquelas não eram as artes originais da construção – a igreja era bem anterior à Renascença, mas passara por tantas reformas que as paredes originais haviam se perdido. Além do mais, não seria muito bom para a Igreja Católica relembrar das barbáries cometidas da época da Inquisição.


Enquanto passeava pela grande construção de pedra sólida, pendurado na cintura um mp3 player levava música aos ouvidos da jovem Nicole. Um barulho, no entanto, se fez soar mais alto: o crepitar de chamas.
Não foi somente o barulho que fez a jovem se virar, mas também um forte cheiro de carne queimada e um calor tanto intenso quanto repentino. Para a cena que desabrochava diante dos seus olhos havia apenas duas palavras: inexplicável e assustador.

Uma fogueira imensa ardia enquanto a fumaça espiralava para o teto da construção, agora invisível pela fumaça. Uma mulher, desnuda, gritava loucamente, atada por cordas a um grande mastro de madeira. Já não se via seus pés ou joelhos, consumidos pelas chamas, e seu rosto já trazia grandes queimaduras, assim como o que restava do seu corpo. A mulher tremia e gritava tal qual um animal enjaulado, e tentava balbuciar algo em meio à tamanha agonia. Quando virou o rosto na direção de Nicole, a jovem percebeu: a mulher tivera a língua cortada.


Nicole fechava os olhos com força, e abanava as mães diante de si, na tentativa de fazer a visão desaparecer. Aquilo tinha que ser falso, afinal. Se fez gritar, até que notou que os gritos da mulher pararam, e que o calor da fogueira havia cessado. Abriu os olhos, e no mesmo momento se arrependeu de ter feito aquilo.

Viu pessoas, muitas delas. Andavam pelo salão, e pareciam ter percebido a presença da jovem. Todas elas estavam num estado deplorável – traziam várias marcas nos corpos, a maioria indizíveis. Homens, mulheres e crianças até, com marcas profundas no pescoço, as órbitas vazias e os lábios entreabertos, roxos pela falta de oxigênio. Enforcados.

E haviam outros mais – pescoços e braços quebrados, membros amputados, olhos arrancados. Andavam como podiam, ora se arrastando pelo salão, ora tropeçando. Nicole desejava correr, gritar e sair daquele lugar, sair dali e fingir que nada acontecera. Suas pernas, no entanto, não obedeciam. Estava paralisada de medo. Sua respiração faltava e sentia o corpo inteiro tremer – por mais que quisese, não conseguia sair dali. Deixou-se cair sentada no chão, encostada na parede. A inércia pelo medo era tanta que sequer baixar a cabeça conseguia – não era capaz até de desviar os olhos de tão horrenda visão.

E então desmaiou.

6 comentários:

Anônimo disse...

Está querendo me assustar? Eu tenho imaginação fértil...não quero ter que visualizar certas cenas...
Muito bem escrito.
hihihihi

Allana disse...

Hã, eu esqueci de dizer que isso é parte de um prelúdio de uma personagem de RPG. =]

Marcelo Soares disse...

è, detalhe importante né?? rsrsrs. Gostei do subtitulo (goticos não existem. góticos se matam.) concordo..rsrsrrs

Fernanda Eggers disse...

Caramba!
Acordar cedinho de manhã, parar para ler os textos que ainda não li no Membrana (esse seu e o seguinte) e me deparar com essas cenas é chocante!

Sim! Qual é esse personagem, cujo nome você roubou do meu? ;)
(Ou, não... ela é mais antiga que a minha Nicole?)
Acho que ainda não a conhecia. =)

Italo disse...

Muito bom. Daqui a uns anos tá gravando filmes de terror trash por aí... Allana Hitchcok, ó? =P

Anônimo disse...

Putz Inha, tá até parecendo coisa minha! Tá massa, mas tem pedaços que ta meio vaga a descrição. Intencional?
Continua assim, menina, um dia você até consegue publicar seu texto num blog! E rosa, ainda por cima, olha que chisque!