terça-feira, janeiro 09, 2007

A Biblioteca




Quem não arrisca, não vive.



Era um perfeito cavalheiro do século 19. Entrou calmamente pela porta da velha biblioteca, com suas roupas antiquadas e sua bengala com punho de ouro. Aquilo sugeria que era rico. Talvez um nobre. Não sou de prestar atenção à cada ser que cruza as portas de vidro, mas aquele prendeu o meu olhar.

Estava estudando, como quase todas as tardes daquela época, rodeada por anotações e livros - meus e da biblioteca. Eram 3 horas, horário em que o sol está baixo, mas nem tanto, esquentando as paredes, refletindo nas prateleiras e esculturas antigas de madeira e trazendo aquele sono e aquele marasmo quando ele entrou.

Olhou em volta, tirou seu relógio de bolso e examinou as horas, voltou a olhar a biblioteca e espantou-se com as prateleiras de metal. Pouco depois, me viu e notou que eu o encarava. Fez um meneio de cabeça e sorriu. Sorri de volta, envergonhada, e desejei-lhe boa tarde. Perguntei se não gostaria de se sentar. De certo modo, ele não me parecia um lunático que arranjou umas roupas velhas num antiquário e queria zombar das pessoas ao redor. E estava certa.

Sentou-se um pouco sem jeito e pareceu chocado ao constatar que eu usava um vestido simples. Perguntou-me como eu tinha coragem de sair por aí usando roupas de baixo. Disse-lhe que não eram roupas de baixo e fiquei pensando sobre seu modo de falar. Era tão rebuscado e antiquado. Indaguei quem era e de onde viera. Um lorde. Um lorde inglês, para ser mais exata. Um amigo do fundador daquela biblioteca, inclusive.

Impulsionada pela curiosidade, perguntei-lhe outras coisas. Ele quis saber mais algumas sobre mim e sobre o que eu fazia ali. Puxou um monóclo para ler a minha pesquisa. Achei engraçado, perguntei porque não usava óculos, como todo mundo, para atiçá-lo. Como ele não sabia o que era, fui atrás de um livro, espantada com o que estava acontecendo. A não ser que fosse um ator espetacularmente bom, o homem era mesmo um cavalheiro do século 19.

O cavalheiro ficou espantado ao constatar que não estava mais "em casa", e sim dois séculos adiante. O que explicava muita coisa para ele. Ficou encantado com os carros de atualmente e perguntou-me se não podia arranjar-lhe um relógio de pulso. Pedi que me mostrasse seu relógio de bolso e expliquei que tinha um certo encantamento com as coisas da época dele e anteriores.

O relógio era belo. Feito em prata, com uma locomotiva à vapor entalhada na frente. O cavalheiro explicou-me que aquilo era a maior novidade no campo dos transportes. Abri seu relógio e fechei-o algumas vezes e ele riu da minha curiosidade.

Emprestei-lhe meu relógio de pulso e ele pareceu igualmente intrigado. Foi a minha vez de rir. Não atrevi-me a pedir seu relógio mas dei o meu. Disse-lhe que não deveria funcionar por muito tempo, afinal ele não acharia as baterias para mantê-lo funcionando. No primeiro momento, ele não quis aceitar, mas expliquei que tinha outro em casa, então ele agradeceu e quis me recompensar de alguma forma. Deu-me uma moeda de ouro. Achei um exagero, mas ele insistiu que eu aceitasse.

Passamos o resto da tarde conversando sobre as diferenças entre nosso tempos. Eu espantei-me como ele aceitara bem a idéia de estar em outro século. Talvez ele soubesse mais do que eu. Às cinco e meia ele olhou novamente em seu relógio, levantou-se apressado e disse-me que precisava ir. Uma carruagem o esperava na entrada e ele precisava comparecer a um jantar dali a pouco tempo.

Deu-me um levíssimo beijo na mão, virou-se e foi embora. Observei sua silhueta passar pela porta de vidro da biblioteca e, depois de alguns minutos, resolvi segui-lo. Saí da biblioteca e observei o saguão. O homem simplesmente sumira. Ninguém o vira passar. Voltei para a minha mesa, reuni minhas coisas e fui para casa.

Nunca esqueci aquelas poucas horas, as feições daquele jovem lorde ou o jeito como se inclinou para a minha mão. Nunca esqueci seu relógio de prata. Não tenho idéia se foi apenas um sonho numa tarde de marasmo ou se realmente aconteceu. A memória, no entanto, não poderia ser mais vívida.

5 comentários:

Allana disse...

=]

Eu já te dei as idéias, ó! XD

Muito bom! =]

Anônimo disse...

Amei isso!! O texto tá maravilhoso, vc se superou, Fefz!!
Bjin

Anônimo disse...

Eu quero um relogio assim.

Texto muito bom.

Anônimo disse...

Muito bom, como sempre.
=***

Anônimo disse...

Hum... e quanto a moeda de ouro?

O texto está... doce, e leve... gostoso de ler. Obrigada, isso me acalmou :D