quinta-feira, janeiro 11, 2007

Desumanidade




Crie uma nova versão de si mesmo...se reinvente.




Fernanda me mostrou uma notícia que falava sobre um bebê anencéfalo que está sobrevivendo há 51 dias. Preciso escrever sobre isto.

O código penal diz que não se pune o aborto praticado por médico quando a gravidez é resultado de estupro ou quando não há outro meio de salvar a vida da mãe.
Quando usa o termo "não se pune", o legislador pretende deixar a idéia de que o aborto sempre será crime, mas não será punido quando ocorrer nas situações elencadas no código.

O STF anda julgando de forma contrária à interrupção da gravidez de feto anencéfalo (sem cérebro), logo a mãe que tira o feto nestas condições está cometendo crime e deve ser punida.

O que posso dizer disto é que sou totalmente contra a atitude do STF e do presente código, pois acredito ser desumano fazer uma mãe carregar no ventre, por nove meses, um bebê que tem o destino traçado e cuja vida poderá durar apenas algumas horas e, quando prolongada, atinge a marca de um ou dois meses.

Os genitores sofrem com a idéia de que a criança não sobreviverá e ainda precisam ter essa angústia prolongada durante todo o período de gestação, causando um abalamento emocional desnecessário, devido pensamentos tradicionalistas e rígidos, defendidos por aqueles que se dizem pró-vida.

Devem ser analisadas as especificidades da situação, pois a regra nem sempre se aplica de forma justa para todos, alguns precisam se enquadrar nas exceções. É ser pró-vida ser contra o aborto? No geral, acredito que sim. Entretanto, ter padrões tão rígidos a ponto de sacrificar a vida de mães, pais e outros familiares fazendo-os passar pelo calvário de acompanhar a evolução do bebê rumo à morte é ser desumano e, para mim, antivida.

Talvez o mais correto fosse abraçar estes pais e mães, dando a eles o apoio devido pela situação difícil que enfrentam, por saberem que o bebê não tem condições de sobreviver e que não poderão vê-lo crescer e brincar no jardim de casa...mas acho que o STF prefere punir com detenção de um a três anos.

7 comentários:

Fernanda Eggers disse...

Acho que não preciso emitir opinião, já conversamos sobre isso hoje.
Já te disse que acho um absurdo que uma mãe não tenha direito de abortar o feto em certas condições.
Mostrando sua veia jurídica no Membrana, né? =D Mas tá de parabéns, o texto ficou ótimo!

Anônimo disse...

A partir do momento que ele não tem cerebro, o bebe está apenas "funcionando", como uma máquina.
Se a morte cerebral é declarada antes mesmo do corpo parar de funcionar, porque nesta situação não se considera da mesma forma?
Ambiguo não?

Anônimo disse...

cada caso eh um caso, nessas condições a mãe deveria ter a liberdade do aborto, jah q essa gestação ia de servir apenas para almentar o sofrimento dos pais...

Anônimo disse...

Se cada caso é um caso, como definir leis para cada caso? Essa é a questão... não pode ser algo "eu acho que pode então deve ser". Precisamos de um raciocínio que suporte nossas idéias. Do contrário, retrocedemos para a id. antiga, onde uma pessoa morria porque o Imperador achava que era 'justo', sem nem ao menos dizer o porquê. Sim, cada caso é um caso, mas quais são tais casos? O que faz o caso X ser diferente do caso Y?

Bruno, na verdade, um dos especialistas em tanatologia (estudo da morte) no mundo, um paraibano baixinho chamado Genival Veloso de França, é contrário a definir morte como sendo morte cerebral. E ele cita que tal orientação é admitida por muitas legislações no mundo. Nos EUA, é muito comum o requisito da associação de morte cerebral com outros sinais (EEG de linha reta por 60 minutos etc.). Para citar o próprio:

"O traçado isoelétrico da atividade cerebral, isoladamente, mesmo que prolongado, não deve constituir, por si só, elemento decisivo para o diagnóstico de morte, pois, em diversas situações, como já foram observadas anteriormente, pode ser transitório"

E sabe-se que algumas drogas e condições de hipotermia podem causar situações de falsa morte, especialmente, se não me engano, em crianças (aquelas que caem em lagos congelados).

Claro, ---> isso não vale para combater sua posição (até pq concordo) <---, mas apenas para ilustrar porque, com todo respeito, acho que seu segundo parágrafo não está completamente correto, pois a ausência de atividade cerebral, em indivíduos com cérebro morfologicamente normal, não é sinônimo de morte do indivíduo.

* * *

As correntes pró-vida defendem a vida desde a concepção, e dizem que há sim atividade cerebral no feto e no ovo. Existem estudos mostrando que metade ou mais dos óvulos fecundados são desprezados pelo organismo feminino naturalmente (BERGER, Kathleen. The Developing Person Through the Lifespan), então isso faria de Deus/natureza - ou do destino - o maior assassino da humanidade, mais que qualquer outra doença ou atividade humana. Isso reprova a idéia religiosa de que o concebido é sagrado por ter sido feito à imagem e semelhança de Deus, e portanto deve ser preservado (então porque Ele fez o organismo feminino para rejeitar/matar mais da metade deles?). Como quase sempre, argumentos religiosos têm bases muito frágeis.

O que faz um feto ser titular de direitos é a auto-consciência, não o fato de ser homo sapiens. Assim, vários animais, quanto mais próximos psicologicamente de nós, mais titular de direitos são e mais moralmente reprovável é sua morte. Veja: o 'assassinato' de um chimpanzé que se comunica com nós e demonstra algum grau de inteligência é intuitivamente reprovável. E se ele falasse conosco e aprendesse a se comunicar e se expressar (de forma primária mesmo), tenho certeza que seria também juridicamente proibido matá-los (como o é com cães etc. na civilz. ocidental). Do outro lado, ninguém se preocupa quando mata uma barata. Aliás, nós as matamos sempre que podemos, e isso não é intuitivamente ou moralmente errado.

Na minha opinião, o aborto do anencefálico deveria ser permitido. Deve ser permitido porque o estado de auto-consciência só é possível de existir em indivíduos com algum córtex (veja parágrafo anterior), então também acho que tais indivíduos não sejam pessoas dotadas de "humanidade" (conjunto de características que sintetizo em "auto-consciência), mas sim um aglomerado de células funcionando, da mesma forma que é possível se cultivar órgãos perfeitamente funcionais, mas isso não faz desses órgãos humanos, porque lhes falta a auto-consciência ('self-awareness').

Esse mesmo motivo é o que me leva a aceitar a utilização de células embrionárias para fins de pesquisa científica. Não considero zigotos pessoas, mas acredito que se deva estabelecer um limite muito seguro para se evitar utilizar tais células com qualquer chance de atividade cerebral, se for o caso (sou contrário ao aborto em todos os casos, convicção pessoal).

O outro motivo que me leva a encorajar o aborto desses casos (e talvez até o aborto geral, mas ainda não estou certo disso, pois neste caso sou contra por princípios) é que sabe-se, a proibição do aborto mal evita que eles ocorram... na verdade, estou convencido pelos dados que vejo na internet que só impede que eles ocorram de maneira segura.

* * *

Quanto ao STF, é um órgão muito político, e não é de hoje que algumas decisões são "curiosas", para dizer o mínimo. A questão é que o Estado brasileiro é laico, mas em grande parte, é só no papel. Veja o nosso querido presidente e o fato de que inevitavelmente, os argumentos de alguns votos no STF foram apoiados em idéias com fundos religiosos. Felizmente, ao que me consta, é apenas no governo do RJ que se tem (volta e meia) muita influência religiosa no governo.

De qualquer forma, a "justiça brasileira" é majoritariamente a favor do aborto nesse caso, basta pesquisar.

Anônimo disse...

No 1.° parágrafo da segunda parte, onde tem escrito:

As correntes pró-vida defendem a vida desde a concepção, e dizem que há sim ATIVIDADE CEREBRAL no feto e no ovo.

Seria:

As correntes pró-vida defendem a vida desde a concepção, e dizem que há sim "VIDA" no feto e no ovo.

Anônimo disse...

Estive conversando com médicos sobre esse assunto (tudo da família, que culpa eu tenho se todos são médicos?) e me foi dito que um feto julgado anaencéfalo nem sempre não tem cérebro nenhum, porém falta uma boa parte. Existem crianças que sobreviveram com apenas metade do cérebro, não menos que isso. E que o termo é muitas vezes usado pela imprensa para essas crianças também. Não é o caso do bebê de 51 dias.

O fato é que promover um aborto é algo desvantajoso para o médico. Mesmo em situações de risco de vida para a mãe, ou em estupro, o médico que fizer o aborto terá uma marca negra no currículo. Várias mães já tiveram de entrar na justiça para obrigar um hospital a salvá-la.

Há algo de podre no reino...

Anônimo disse...

Evelyn, na verdade, há vários graus de anencefalia. A falta de cérebro pode estar associada à falta de caixa craniana, pode estar associada à defeitos da medula espinhal etc. etc.

O caso mais comum, a anencefalia "clássica", consiste na falta de tecido cerebral típico, funcional. Este é substituído por um tecido nervoso rudimentar. Justamente por isso é que eles podem até respirar, bater o coração e ter várias outras funções nervosas autômatas, mas pode ter certeza que eles jamais pensarão ou ganharão consciência. Não na anencefalia clássica, que é o que estamos discutindo aqui, eu acredito.

Obviamente, se o bebê tem má-formação nervosa, a estória é outra.

E quanto aos médicos, eu tenho alguns na família (tios e primos), mas acho que isso continua sendo uma decisão da mãe (e em quase idêntico grau, do pai). A questão inteira é que a classe médica é uma das mais corporativistas que conheço, e ao resistir à prática do aborto legal, os médicos estão pensando mais em si do que na vida que estão ceifando, na minha opinião.