Love is just a game
Era um lugarzinho pacato, não muito violento ou badalado. De fato, a maior novidade girava em torno de um grupo de jovens que se hospedavam numa das pousadas dali. Aparentemente, eles descobriram um lugar ótimo para fazer “turismo radical” nos limites da cidade. A área era realmente bonita e propicia para tal atividade. Tinha morros, quedas d’água, ficava próxima da mata. Tudo o que os visitantes queriam.
No entanto, o jornal local se cansara disso. Seus leitores não escalavam pedras, pulavam de pontes nem faziam trilhas na floresta. As notícias e informações sobre o que aquele grupo fazia ali já não atraía os habitantes da cidade. O redator-chefe também não agüentava mais publicar sobre enterros, casamentos e batizados. Seu jornal precisava de ação, emoção, talvez de sangue. Será que não havia um caso de adultério seguido de homicídio? Quem sabe um jovem drogado agredindo os transeuntes?
- Desculpe, senhor, mas o máximo que aconteceu foi uma briga entre dois vagabundos – Disse um jornalista, com voz cansada.
- E o que aconteceu?
- Nada demais. Só um olho roxo.
- Então, a notícia terá que ser criada. – Resolveu o redator-chefe, com um brilho estranho nos olhos.
No dia seguinte, a notícia lida pelos moradores da pequena cidade continha medo, violência e sangue. Um mendigo matou outro com pauladas na cabeça. Disputa territorial, o agredido estava dormindo no banco da praça que “pertencia” ao outro. De quebra, ainda roubara a latinha de cola do agressor.
Fato parecido era realmente novidade por ali. Havia brigas, é claro. Tinha aquele senhor que era alcoólatra, outro que discutia toda noite com a mulher. Mas homicídio, drogas; aquilo assustou a população.
Os velhinhos, aterrorizados, pararam de conversar na calçada ao anoitecer. As mães passaram a super-proteger seus filhos. Os homens discutiam entre si, no intervalo dos jogos de futebol dominicais, sobre como as pequenas cidades haviam perdido a vantagem de serem seguras. Esse mundo estava perdido! Não havia mais segurança ali, então não havia segurança em lugar algum desse planeta!
E, naquele dia, o jornal vendeu. Vendeu como nunca!
* Reedição, ainda que nunca tenha sido publicado no Membrana. Fernanda está passando por um pequeno bloqueio criativo (ataque de estrelismo) e resolveu não publicar nada novo esses dias. A idéia de publicar justamente esse conto partiu do Rascunhos de uma Mente.
5 comentários:
E isso é porque ainda não começou a estudar... :P
Inventar notícias é o melhor. Conte ela cem vezes que ela se torna verdade. Como aquela história, que aconteceu com o amigo de um amigo meu...
Engraçado que nos EUA a criminalidade vem diminuindo drasticamente, mas a quantidade de programas de televisão que tratam sobre o assunto continua aumentando vertiginosamente.
Mesmo com o perigo de ser vítima diminuído, as pessoas não conseguem se sentir seguras, porque toda noite veêm os mesmos programas falando da mesma "criminalidade sem limites".
E aqui é ainda pior, Jota Júnior faz logo o drama, "se você tem problemas de coração, não veja, se tem crianças na sala, retire elas, mas antes, vamos para os comerciais". É muito trash.
É sim!
E mais: a mídia faz isso de propósito, é um excelente meio de criar pânico e manipular a sociedade.
Pode ver que os americanos são uns doidos com medo de sair na rua e os canadenses deixam as portas abertas e destrancadas.
Aqui em João Pessoa mesmo, uma das cidades mais tranqüilas (a capital mais tranqüila, até um tempinho atrás, pelo menos) tem muita, mas muita gente mesmo que tem medo de deixar a porta da frente destrancada e sem cadeado por um minuto que seja.
Tem um documentário "Shots in Columbine" (Tiros em Columbine) que fala a respeito disso.
Hehehe, muito bom. Legal é que se tiver qualquer fenômeno metereológica diferente, eles podem anunciar como "O Fim do Mundo" também.
Jornal e fofoqueiros... pense numa raça!
O problema não é quando inventam as noticias... pior é quando eles fazem as noticias...
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